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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Poliamorismo: entre o sonho e a realidade (Janus SW)

As relações, e isso é perceptível, não são entes neutros ditados pela vontade ou pela conveniência dos envolvidos. Na realidade, no campo social, as relações e sua dinâmica são firmemente formulados e sancionados por instrumentos como a religião (seja ela qual for) , pelo direito e , principalmente, pelos costumes ou moral.
Sem querer tornar esse artigo um tratado sociológico, convém, à titulo de exemplo, a questão da infidelidade conjugal ou adultério. Esse elemento que hoje em di encontra-se circunscrito no âmbito social em sua reprovação, já foi , e não faz muito tempo, um crime sancionado no Código Penal de vários países, inclusive no Brasil.
Era de se esperar, no entanto, que os diversos grupos  não apenas questionassem essa rigidez e intolerância buscando alternativas mais ou menos viáveis para esse ambiente opressivo. Contribuíram também para esse questionamento a percepção clara de que o casamento e as uniões monogâmicas visavam, em um primeiro momento, a vinculação unívoca de seus contratantes e também a segurança que o patrimônio do casal seria transferido à sua prole legítima.
A questão da poligamia não é recente, ao contrário, é habitual em determinados grupos e sancionados em outros desde os primórdios. No entanto, dentro da voga libertária, criou-se uma alternativa mais ou menos viável de arranjos de relação entre eles o poliamorismo.
Dependendo do ponto de vista , pode-se dizer que essa relação poliamorista propõe ser uma construção não apenas aceita mas admitida de um ou ambos os parceiros estabelecerem relações fora do arranjo original tirando o caráter clandestino e subterrâneo de tais relações.
Algumas questões estão colocadas no caminho que nos fazem pensar se esses arranjos são viáveis tanto no âmbito social como no individual, até porque no aspecto legal ela não é sequer aceita, podendo ser classificado, facilmente como poligamia.
A primeira questão a ser colocada é a questão de qual relação está sendo construída e em quais bases? Aqui coloco uma questão aparentemente inadequada mas que é real e , em muitos casos, tristemente real: a questão da posse do parceiro, geradora de questões de poder e do ciúme. Como superá-lo? Como transformá-lo?
Eventualmente alguém me contestará: quem ama de verdade não mata! Ainda permito-me a dúvida, apesar de uma amiga querida me dizer que, na verdade, o que se criou foi um laço de dependência afetiva que conduz à posse à partir da consciência que aquele outro ser e´ a fonte primordial de satisfação e plenitude. Nossos relacionamentos são saudáveis a ponto de renunciar à isso sem dor? Cada um sabe a resposta para si.
Outro fator que acredito ser relevante e que não deveria causar espécie ao menos à nós, BDSMistas: a questão do poder. Mais ou menos (mesmo que seja quase nada), exercemos um poder maior ou menor um sobre os outros à ponto de alguns e algumas simplesmente abrirem mão de sua iniciativa e transformarem-se em escravas ou escravos. A consciência desse poder que prende, ata e muitas vezes manipula, torna-se , em minha visão, um fator que não apenas impede o poliamor mas faz com que, menos tempo, mais tempo, possa levar à uma decisão de colocar os parceiros outros em disputa pela convivência que os membros da trinca, quadra ou qualquer outro acerto, possam ter desenvolvido.
O fato de algo ser libertário não significa apenas conformar a atual situação à um novo patamar mas sim erodir definitivamente as bases da ditadura da moral e dos costumes (geralmente bons costumes) em nome de uma nova moral e um novo código de ética na qual tanto o poliamorismo como outras correntes de pensamento transformador venham a se assentar.
Desculpe-me se é pessimista mas , sinceramente, não vejo uma capacidade ou vontade intelectual para estatuir esse novo código, para fazer crescer, nem mesmo em meio aos que postulam essas teses, uma nova realidade ditada pela negação imediata de um modelo patrimonialista que rege os nossos contratos, mesmo aqueles gerados sob a égide do BDSM.
O que temo, e não tenho nenhum pudor em dizer, é que sob o rótulo libertário do poliamorismo se abriguem teses que conduzam, na verdade, à poligamia e sobretudo, a egos feridos, sentimentos destroçados e manchas à um ideal que pode guardar realidades belas e libertárias.
Tomo como exemplo, lastimo se as coisas são diferentes, as questões mal sucedidas ou mal conduzidas referentes à irmandade de coleira. Os danos estão explícitos, não preciso comentar quais sejam e são variáveis em cada caso mas uma proposta que poderia ser prazerosa para todos, na verdade transforma-se em uma experiência tumultuosa e danosa.
Para apenas começar a discussão e não tentar fechá-la, ao contrário, gostaria de pontuar mais um fator de "risco": poliamorismo requer pessoas preparadas , tanto em discurso (o que menos importa) mas no conceito, na sua vivência e na atenuação dos conflitos, elementos que levam ao prazer.
Na minha visão, devemos usar aquele velho ditado: "não está pronto, não desce para o play" e é bom ter consciência que não estamos em uma época onde a generosidade, compreensão, empatia e intenção de construção de uma realidade que nos seja cara e de grande crescimento, seja sequer a tônica majoritária.
Para o poliamorismo é necessário um novo ser humano. Cumpre-nos constatar que ele exista.
Saudações!

10 comentários:

  1. Parabéns pelo brilhante texto, Sr Janus!
    Deixo aqui a minha humilde opinião:

    Poliamorismo é uma bela forma de não amar ninguém!

    Saudações respeitosas.

    {Λїtą}_ŞT

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  2. Sds, Janus,
    Boa essa questão que lançou. Longe de ter alguma resposta, acho que os arranjos ainda são a medida adotada pela maioria, sejam eles explícitos, implícitos, clandestinos e/ou transitórios...
    Um par pode durar até o fim da vida e bastar àqueles dois, mesmo sendo ditado pela cultura, mas são raríssimos os casos. Donde se concluiu que há algo estranho no instituído, já que atende apenas à minoria. Proteger o patrimônio da prole em tempos de exame de DNA já prescreveu, né? rs
    No BDSM deveria ser mais simples, mas não é tanto... isso me intriga...
    beijos para astharoth e parabéns pelo texto!

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  3. Amei o texto e entendo perfeitamente o seu "pessimismo" quanto`a uma transição tão delicada. Concordo que algumas gerações (a nossa, inclusa) não estão prontas, no geral.

    Mas tenho observado algumas mudanças interessantes. Tenho convivido com um grupo de pessoas na faixa dos 16 aos 23 anos. Fico impressionada em observar o quanto eles estão abertos ao novo. O exemplo que eu vou usar não está diretamente relacionado ao poliamor. É incrivel o numero de adolescentes bissexuais hj em dia. É dificil ter preconceitos, quando desde cedo se convive com o diferente. Tudo parece ser aceito com muito mais naturalidade do que na minha adolescencia. Eles não escondem seus relacionamentos, que escapam dos padroes. Ao contrário, os exibem com orgulho. Sei que isso começou como "modinha", mas observo que permaneceu. Vejo nos jovens uma liberdade incrivel, e até uma tendencia, para inovar em relacionamentos. A formula antiga (o casamento convencional) já está há tempos desacreditada. Na minha visão, esse momento é ótimo. Vejo a necessidade em se encontrar novos formatos na sociedade.

    Acho que poliamorismo nao é pra todo mundo. E acho que muita gente vai sofrer tentando estabelecer pra si algo assim. É duro ser linha de frente. Mesmo eu, com toda a minha tendencia a gostar disso, sei que não seria tão natural passar pela fase de "ajustes". Mas no fundo, eu não consigo deixar de achar que no fim das contas, muita gente seria mais feliz assim, amando livremente, sem por pontos finais na possibilidade de conhecer mais alguem para amar.

    Será que é idealismo demais? ah, mesmo que seja... tb gosto de ter esse sonho.

    Beijos!
    =)

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  4. Senhor Janus,

    Parabéns pelo texto, que já pautou diversas discussões que tivemos sobre o tema.

    Como a tavi ressaltou, talvez existam gerações ainda pouco habituadas e, porque não dizer, "treinadas" a viver diante de uma nova possibilidade.

    Diferentemente do Senhor, sou um tanto mais otimista quanto a esse aspecto, talvez não pelas razões certas. Vejo que as atuais relações tem uma maior "facilidade" de desapego, sendo que a visão de laçoes eternos que se formam netre pessoas não é um conceito mais tão forte. A própria noção de finitude do casamento, com a popularização da separação e do divórcio, passou uma idéia de que não existem relações amorosas ou contratos que não possam ser desfeitos.

    Assim, vejo uma maior maleabilidade para se aceitar novos arranjos, a ideia de que relações são finitas e podem não ser exclusivas (monogâmicas).

    Eu não sei se estaria preparada para viver tal arranjo, mas sinto uma enorme curiosidade em conhecer um mundo no qual um casal não deveria discutir a traição, mas sim formas de respeito ao seu parceiro, à relação e a si mesmo.

    Beijos saudosos

    Diana

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  5. Vita.

    Eu não estou pronto também... acho que é um belo estatuto sem aplicação real.
    Obrigado pela visita.

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  6. nyssa....

    Obrigado pela visita. Contestar o que existe é sempre saudável mas há de se criar alternativas viáveis.

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  7. tavi, cara amiga!

    Sabe, eu ainda tenho muitas dúvidas se essa nova geração está compreendendo o que está fazendo, se a posição é mesmo poliamorista ou se o rótulo justifica outras coisas.
    De qualquer forma, o tempo dirá. O que me move não é pessimismo mas sim uma reserva que espera ser desafiada.
    Beijos respeitosos e um abração no caro Asgard!

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  8. Diana querida....

    Vejamos o que acontecerá... A vida está em movimento e isso é o que importa.
    Só sei que também não estou pronto para viver isso...rs...
    Beijos!

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  9. Oi Janus,

    Tenho lido seu blog aos poucos, e esse post me chamou a atenção. Linkei-o no meu blog, que tem uma linguagem bem diferente da sua, mas apreciei muito a profundidade e honestidade da sua análise.

    Abraços!

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  10. Agradeço pelo link e pelos comentários!
    Abs...

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