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sábado, 4 de setembro de 2010

O simbolismo da coleira para um submisso - Ian@

Há meses atrás, assistindo ao show da Adriana Calcanhoto, dei boas risadas com um comentário que ela fez, sobre como se comporta quando é convidada para um trabalho. Dizia ela que sua primeira reação era ficar honradíssima com o convite, aceitar e só então, começar a pensar nas dificuldades que o trabalho traria.
Lembrei disso depois que aceitei – honradíssima – a sugestão de minha amiga Liu*, para escrever sobre o tema proposto.
Meu primeiro impulso foi começar a escrever freneticamente, sobre o que significa para mim o uso da coleira. Depois achei que se escrevesse assim, seria apenas um relato pessoal sobre o uso da coleira e eu não queria um texto apenas pessoal.
Minha segunda atitude foi procurar no dicionário um significado para a palavra “coleira” e assim encontrei no Larousse Cultural (1999, p. 243):
“COLEIRA s.f. (Do lat. collarium) 1. Correia de couro ou de metal que se coloca no pescoço de certos animais para prendê-los, fazê-los trabalhar, reconhecê-los, etc. – 2. P. ext. Colar, argola, gargalheira. – 3. Sujeito velhaco, mau pagador.”
“Reconhecê-los”… foi essa a única parte da definição que me chamou a atenção; pois num mail de minha amiga Danna, ela já utilizara, entre outras, essa expressão: “a coleira é uma aliança entre o Dominador e sua escrava, é a prova que sua submissão é reconhecida por ele, então a coleira vem como prêmio (…)” (o grifo é meu). Sem dúvida, uma maneira encantadora de colocar a situação, mas eu imaginei que deveria haver algo mais. Também atentei para o fato de que, no dicionário, os termos “colar” e “argola” são apresentados como equivalentes de coleira.
Um pouco frustrada diante da descrição tão sucinta encontrada no dicionário, foi que me lembrei das aulas de Lingüística que tive na faculdade e de algumas aulas específicas em que se discutia o que era e quais eram os objetivos da semântica.
Quando falamos em “simbolismo”, este sempre vai evocar o “significado”; e o significado vai evocar a semântica. Para utilizar uma definição simples, a semântica é uma disciplina da Lingüística que estuda o significado em linguagem. Em semântica, segundo Maria Helena Marques, (1999, p.61) é possível entender por um lado,
“que uma palavra tem tantos sentidos quantos sejam as suas diversas realizações contextuais. De outro lado, pode-se interpretar que a indeterminação inerente ao significado decorre de uma palavra ter um sentido básico, a que se somam fatores contextuais lógicos, emotivos, combinatórios, evocativos e associativos, que introduzem nuances interpretativas diversas, no mesmo significado básico.”
Isto posto, percebi que tinha encontrado no dicionário apenas o sentido denotativo do termo, então precisava encontrar o(s) sentido(s) conotativo(s), que obviamente deveriam existir e que, provavelmente, viriam ao encontro de tudo que realmente sinto quando tenho uma coleira em meu pescoço.
Impávida, fui atrás de Dicionários de Símbolos. A primeira dificuldade foi encontrar o termo “coleira” descrito em algum dicionário. Não o encontrei. Em Chevalier & Cheerbrant (1999, p. 263), encontrei em “colar” uma referência à coleira:
“Afora seu papel de ornamento, o colar pode significar uma função, uma dignidade, uma recompensa militar ou civil, um laço de servidão: escravo, prisioneiro, animal doméstico (coleira). De modo geral, o colar simboliza o elo entre aquele ou aquela que o traz e aquele ou aquela que o ofertou ou impôs. Nessa qualidade, liga, obriga, e se reveste, por vezes, de uma significação erótica. Num sentido cósmico e psíquico, o colar simboliza a redução do múltiplo ao uno, uma tendência a pôr em seu devido lugar e em ordem uma diversidade qualquer, mais ou menos caótica. (…)”.
Aqui encontrei mais uma definição que se afina com os meus sentimentos: “um laço de servidão: escravo, prisioneiro, animal doméstico(…)”. Ter com alguém um laço de servidão implica sempre numa entrega sem reservas. Essa entrega, por vezes, cria uma situação contraditória: “a sensação de que quanto mais me ajoelho aos seus pés, quanto mais o reverencio, quanto mais te pertenço… mais sou livre. Livre para me entregar pra você sem reservas, livre para viver essa fantasia, livre para recusar o que não mais me apetece na vida, livre para erguer a cabeça e me orgulhar de ser sua escrava. Parece contraditório: uma escrava se sentindo livre, orgulhosa. Mas eu tenho orgulho, meu Dono!!! Tenho sim!!! Tenho muito orgulho de pertencer a você, de ser para você que entrego minha fantasia, tenho orgulho do homem maravilhoso a quem reverencio. Não me sinto diminuída por me ajoelhar aos seus pés; pelo contrário: quando me ajoelho aos seus pés, sou a escrava que você escolheu; sou a mulher que compartilha suas fantasias; sou a puta que te dá prazer; sou a cadela que se entrega a você. Por essas e por outras várias razões é que tenho orgulho da minha condição. Não da minha condição de escrava; mas da minha condição de SUA escrava… não por ter um Dono, mas por VOCÊ ser esse Dono…”.

“De modo geral, o colar simboliza o elo entre aquele ou aquela que o traz e aquele ou aquela que o ofertou ou impôs. Nessa qualidade, liga, obriga, e se reveste, por vezes, de uma significação erótica”. Sobre a significação erótica, encontrei também em Cirlot (1984): “Por sua colocação no pescoço ou sobre o peito adquire relação com estas partes do corpo e os signos zodiacais que lhes concernem. Como o pescoço tem relação astrológica com o sexo, o colar simboliza também um vínculo erótico”.
A idéia de que a coleira crie um vínculo erótico, não causará surpresa a nenhum(a) submisso(a). Qual de nós, submissas, ainda não sentiu no ritual de colocação da coleira, aquele desejo. Aquele desejo que se espreme garganta abaixo e acaba por se derreter em secreções ovarianas. Qual de nós nunca ficou molhada durante o ritual de colocação da coleira???? Ah!!!!! Sem dúvida há o vínculo erótico, inquestionável.
“Num sentido cósmico e psíquico, o colar simboliza a redução do múltiplo ao uno, uma tendência a pôr em seu devido lugar e em ordem uma diversidade qualquer, mais ou menos caótica. (…)”. E em Cirlot: “No sentido mais geral, o colar composto de múltiplas contas enfileiradas expressa a unificação do diverso, quer dizer, um estágio intermediário entre o desmembramento aludido por toda multiplicidade – sempre negativa – e a verdadeira unidade do contínuo”.
Aqui falamos de mais uma maneira de entender o uso da coleira, ainda segundo Danna – num texto inédito: “(…) É deixar que todo esse envolvimento mude minha maneira de ser, e verificar que isso afetou para muito melhor meu relacionamento com outras pessoas (…)”.
Também não causa nenhuma surpresa a um(a) submisso(a), perceber como o uso da coleira altera, por via de regra para melhor, nosso comportamento de maneira geral. É como se, realmente, as coisas fossem colocadas em seus devidos lugares. Dúvidas desaparecem, sentimentos menores são deixados de lado, picuinhas perdem sua importância. Nos tornamos mais belos, mais sensuais, mais receptivos. E como a linguagem corporal é poderosa, recebemos de volta, das outras pessoas, tudo de bom que passamos para elas, mesmo inconscientemente.
Chevalier & Cheerbrant sugerem que se veja o significado de “círculo” (1999, p. 254). O círculo apresenta uma quantidade enorme de significações, mas uma determinada parte do texto me chamou a atenção. Trata-se da passagem em que se toma o círculo (e suas representações – colar ou coleira aí incluídos) como um símbolo de proteção e de alma cativa. “
(…) Em sua qualidade de forma envolvente, qual circuito fechado, o círculo é um símbolo de proteção, de uma proteção assegurada dentro de seus limites. Daí a utilização mágica do círculo, como cordão de defesa ao redor das cidades, ao redor dos túmulos, a fim de impedir a penetração dos inimigos, das almas errantes e dos demônios. Há lutadores que costumam traçar um círculo em volta do seu corpo, antes de travar o combate. O círculo protetor toma a forma, para o indivíduo, da argola (ou aro), do bracelete, do colar, do cinto, da coroa. (…) Esse mesmo valor do símbolo explica o fato de os anéis e braceletes sejam retirados ou proibidos àqueles cuja alma deve estar livre para evadir-se, como os mortos, ou para elevar-se em direção à divindade, como os místicos. (…)”
A coleira me dá essa sensação de que minha alma não pertence mais somente a mim… minha alma tem um Dono… o mesmo que me colocou a coleira em torno do pescoço. É um pacto. Esse pacto, simbolizado pela coleira, me protege. É como um lembrete: lembra aos outros, que não pertenço a mim mesma; lembra a mim, a quem devo reverenciar. “Há uma passagem no romance “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago (1995, p.172), em que uma determinada personagem, assim se expressa: “Cala-te, disse suavemente a mulher do médico, calemo-nos todos, há ocasiões em que as palavras não servem de nada, (…)”. É exatamente assim que me sinto agora: não gostaria de ter que falar ou escrever. Gostaria apenas de estar ajoelhada aos seus pés, aninhada no seu colo, como fiquei várias vezes enquanto estive na sua companhia. Gostaria apenas que pudesse me ver assim: aos seus pés, de olhos baixos. Gostaria que você colocasse os dedos sob o meu queixo e erguesse meu rosto para você. Que me fizesse te olhar nos olhos. Se isso fosse possível, não precisaria mais das minhas palavras: nem as faladas, nem as escritas; pois veria tudo em meus olhos, veria tudo na minha postura. A linguagem do meu corpo seria clara e suficiente, para que você entendesse e acreditasse que sou sua; que pertenço a você e que não existe nada que tenha força para mudar essa situação.”
É isso!!!!! Em última análise: a coleira dispensa palavras!

Referências Bibliográficas
CHEVALIER, J; CHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. 14a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.
CIRLOT, J. E. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Moraes, 1984.
GRANDE DICIONÁRIO LAROUSSE CULTURAL DA LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Nova cultural, 1999.
MARQUES, M. H. D. Iniciação à Semântica. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
P.S.: as partes do texto que estão em itálico, são fragmentos pertencentes a diversas cartas escritas por mim, onde tive a oportunidade de expressar opiniões pessoais sobre como me sentia usando uma coleira.
Em 16/04/01 (tarde de outono em Curitiba)
(Fonte: http://www.desejosecreto.com.br/bottoms/bottoms06.htm)

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