- Isso não faz o menor sentido...
Uma figura de mulher estava
olhando um detalhado desenho de uma sessão sado masoquista de muito tempo
atrás. Disfarçado sob a delicada cobertura de purificação, previa a
mortificação da carne como a condição necessária e suficiente para a liberação
do espírito.
- O que não te faz sentido? -
perguntou o homem que estava ao lado dela. - Não sabia que o corpo aprisiona o
espírito e isso é conhecido milenarmente? Basta que experimente deixar as
marcas indeléveis no corpo para perceber que pouco é essa carcaça que um dia
será um repasto de vermes.
Ela virou-se e fitou-o
diretamente nos olhos:
- Sem isso, o espírito não tem
materialidade. Será que temos de destruir tudo para que possamos ter iluminação
mesmo que seja pouca?
- Quem disse
"destruir"? - perguntou reforçando as aspas com as pontas dos dedos.
- Basta na verdade não concentrar-se nela, exatamente sabê-la frágil para que a
sua real essência liberte-se.
Ela sabia que, no fundo, provocar
aquele homem que tanto queria bem seria uma grande e inconsequente loucura. No
entanto, como dizer-lhe que fartara-se da sanidade que supostamente lhe era
oferecida em todas as oportunidades que havia em classificar o inclassificável?
- Consegue me mostrar o que
significa essa libertação?
Ele olhou com profunda
desconfiança e até certa dose de desprezo para ela e perguntou-se se,
verdadeiramente, estava a desejar o que a boca falava.
- Você não conseguiria suportar
sequer a décima parte do que isso representaria. Não peça aquilo que não pode
suportar.
Ela não acreditava no que estava
a ouvir. Seria tão desprezível o seu propósito a ponto de merecer aquele grau
de desconsideração? Novamente arguiu, novamente obteve a mesma resposta.
- Fato é que o que você não
deseja mostrar, caríssimo, é a sua incapacidade de me mostrar o caminho que
fica a dizer aos quatro ventos que é o mais indispensável para o esclarecimento
humano, aquele que liberta do corpo a essência mais verdadeira e primeira de
todos nós. Basta de palavras!
Ele apertou os olhos e logo
compreendeu qual era o jogo que estava sendo travado. Porque ceder a alguém que
fazia de uma provocação básica demais para ser considerada sequer relevante.
- Quer mesmo saber o que é isso?
Nem sequer teme pelo que possa te acontecer? Tem a dimensão de qual batalha
está querendo travar? Claro que não. Soubesse, evitaria-a com todas as suas
forças.
- Porque sou indigna de atingir o
estado maior?
- Não! Exatamente porque não sabe
o que o estado maior possa vir a significar.
- Mostre-me...
- Quando eu desejar e não antes.
No entanto, veremos do que você é feita: dispa-se completamente de suas roupas
e ajoelhe-se aqui, no caminho frio.
Começou a livrar-se de suas
roupas mas foi dito para que se afastasse quando estava a preparar-se e só
voltar quando estivesse totalmente nua.
Não demorou em nada para fazer
tal coisa e em sua nudez aproximou-se dele. A primeira providência foi colar um
pergaminho na boca com a palavra "silêncio" de forma a
impossibilitar-lhe qualquer comunicação senão por grunhidos que, classificados
como inumanos sequer eram considerados. Em seguida, uma corda de seda atou-lhe
as mãos e os pés e assim foi mandada ajoelhar-se.
Para tal, não pode ajudar com os
pés a ter a estabilidade necessária para ajoelhar-se de forma tranquila mas
soltou-se em um movimento que causou-lhe dor a ponto de querer gritar mas não
conseguia.
- Fique calada e pronta.
O que viria a seguir? Pouco
sabia, menos era dito. Restava esperar.
(Fim da Parte 1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários são moderados. Não serão publicados cometários de conteúdo racista, homofóbico, discriminatório de qualquer tipo.
The comments are moderated. WILL NOT be published any commentary with racist, homophobic and discriminatory content against no one and no group.