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sábado, 24 de outubro de 2009

Submissão?


"Encontro Henry na estação cinzenta, com uma instantânea efervescência do sangue, e reconheço as mesmas sensações nele. Diz-me que mal conseguia andar a caminho da estação porque estava coxo com o seu desejo por mim. Recuso-me a ir para seu apartamento porque Fred está lá e sugiro o Hotel Anjou, onde Eduardo me tinha levado. Vejo a suspeita nos seus olhos, e agrada-me, vamos para o hotel. Ele quer que eu fale com a porteira. Peço-lhe o quarto número três. Ela diz que são trinta francos. Eu digo:
- Vai fazer-nos por vinte e cinco. - E retiro a chave do chaveiro. Começo a subir as escadas. Henry detém-me a meio para me beijar. Estamos no quarto. Ele diz com aquele seu riso quente:
- Anaïs, tu és um demónio. - Não digo nada. Ele está tão ávido que não tenho tempo de me despir.
E aqui eu cambaleio, por inexperiência, tonta pela intensidade e selvajaria daquelas horas. Apenas recordo a verocidade de Henry; a sua energia, a sua descoberta das minhas nádegas, que ele acha belas - e ah, o fluir do mel, o paroxismo do prazer, horas e horas de coito. Igualdade! As profundidades por que anseei, a escuridão, o fim, a absolvição. O âmago do meu ser é tocado por um corpo que domina o meu, imunda o meu, que contorce a sua língua em chamas dentro de mim com tamanho poder. Ele exclama:
- Diz-me, diz-me o que sentes.
E eu não consigo. Há sangue nos meus olhos, na minha cabeça.
As palavras são abafadas. Quero gritar selvaticamente, sem palavras - gritos inarticulados, sem sentido, vindos do fundo mais primitivo do meu ser, jorrando do meu ventre como o mel.
Prazer até às lágrimas, que me deixa sem palavras, conquistada, silenciada.
Céus, conheci um tal dia, tais horas de submissão feminina, uma tal entrega de mim mesma que não pode haver mais nada para dar.
Mas eu minto. Embelezo. As minhas palavras não são suficientemente profundas, nem selvagens. Disfarçam, omitem. Não terei descanso enquanto não tiver contado a minha descida à sensualidade que foi tão escura, tão magnificente, tão louca, como os meus momentos de criação mística foram atordoantes, extáticos, exaltados".
Anaïs Nin
Henry & June
Editorial Presença, 2002, p.76
Para astharoth de Janus

2 comentários:

  1. Li Henry e June há muitos anos, enfiada no quarto, da primeira à última página quase de uma só vez. Adorei. Parecia, em alguns momentos, que era a descrição da minha vida.

    Meu Querido Amigo, sabe de uma coisa? Benditas sejam as mulheres da tua vida... a que te domina e a que te serve.

    Te abraço e olho admirada!

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  2. Grato pelo gentil comentário, Amar...
    Um grande abraço...

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